A autora conta a história de uma jovem universitária, ela própria, apanhada no vendaval, que foi «o movimento para a democracia na China», em 1989. O livro é um guia turístico pela revolução cultural chinesa e o maoísmo, orientado pelas palavras de uma criança, adolescente e jovem chinesa. Aliás este é o grande mérito do livro, ser contado na primeira pessoa com tudo que de parcial e genuíno isso tem.
Wei nasce em 1966 no ano da revolução cultural que duraria 10 anos, o suficiente para arruinar a sua infância. Em 77 e após a morte de Mao, Deng Xiao Ping sobe ao poder, reata relações com os Estados Unidos e abre a China ao mercado global, para gáudio de todos os que queriam deixar os campos e voltar às suas cidades e profissões, como Wei e a sua família.
Em 89, no ano da primavera escaldante chinesa, o que preocupava a China era o Top Gun e o buzz do momento, o desastre de Chernobyl na Ucrânia. Os estudantes comparavam a desilusão amorosa em guerra e paz, com a de Anna Karenina, envolvendo-se em debates sobre qual a mais profunda. Tolstoi estava na moda e os chineses do séc. XX pareciam identificar-se com a Rússia do séc. XIX. Wei a personagem principal, preferia Dickens, Victor Hugo ou Dostóievsky.
O seu primeiro namorado, aos 20 anos, era um entusiasta do mercado asiático, como Singapura e Taiwan, adepto da política lançada por Deng Xiaoping, economia aberta e bico fechado. Por outro lado ouvia-se música tão variada como os Carpenters, Lionel Richie ou Wham e ao mesmo tempo, Schenzhen tornava-se a primeira zona económica da China. Agora parece claro, que toda esta repentina turbulência haveria de acabar em massacre!
Os primeiros gritos de liberdade na China tomaram forma com a visita de Mikhail Gorbachev, usavam-se fitas com palavras revolucionárias como as do americano Patrick Henry, “dá-me a liberdade ou dá-me a morte!”. O que o partido comunista chinês não sabia é que os estudantes estavam em crescendo. A revolução cultural estudantil estava apenas a começar e o partido comunista chinês cortou-a pela raiz em Tiananmen, na primavera de 1989. Ainda hoje os números não são conhecidos e a china continua a dividir-se entre os que acreditam que morreram meia dúzia de estudantes nos confrontos e os outros, que como Wei, viram milhares ser abatidos a tiro. O partido comunista sabia que a solidariedade e tolerância com os estudantes pagava-se cara e não esteve com meias medidas.
E como depois da tempestade vem a limpeza (e só depois a bonança), outros tantos milhares de estudantes eram perseguidos, acusados e executados. Os que conseguiam escapar rumavam à América com a ajuda de bolsas do governo Bush e mesmo os que não tinham porque escapar, como Wei, tentavam a sua sorte na corrida pelo sonho americano.
Wei consegue a sua bolsa de estudo americana e cedo começa os preparativos da sua “grande marcha”. Não queria ter de continuar a comprar sacos de arroz no mercado negro para conseguir ler “O amante de lady Chatterley” ou o livro de poemas de Guo Maurou, (um dos grandes escritores do movimento 4 de Maio de 1919), o livro que Wei queria levar para a América.
O que é que essa bonita palavra quer dizer:
Cerce - “cortava cerce” - pela raiz; rente.
Um pequeno apanhado das cábulas histórico-culturais:
Weiming - O lago afinal tem nome e é este o nome dele.
Miao - Minoria chinesa, (de entre 55 que tem a China?!), com língua e cultura próprias. Predominam no sul da China em províncias como Hunan, Sichuan, Hainan ou Ubei, por exemplo.
Cantonês - É o terceiro dialecto mais falado na China. Ouve-se sobretudo no sul da china e nas regiões de Hong Kong e Macau. Melhor só o mandarim e o wu.
Mandarim - É a língua oficial da China e uma de entre as 4 oficiais de Singapura.
“O amante de lady Chatterley” - É uma espécie de romance erótico de D.H. Lawrence. Escrito em 1928, o livro foi impresso em Florença e só em 1960 começou a desabrochar do tabu criado à sua volta.
Acontecimentos históricos que marcaram a china e estão gravados na base do monumento aos heróis do povo na praça de Tianamen, (ufa!):
As guerras do ópio - Foram duas. A primeira contra o Reino Unido, começou em 1839 e durou três anos. A segunda, também contra o Reino Unido, de 1956 até 1960, mas mais à séria para não haver dúvidas como na primeira. O Reino Unido ganhou e de gorjeta ainda levou Hong Kong e Singapura. Tudo por causa de quê?, do ópio e da sua livre comercialização na Ásia, (nada como uma guerra com valores, einh?!). Daqui à ascensão dos Boxers foi um pulinho, em 1912. a dinastia Quing vinha abaixo!
A ascensão dos Boxer - Não, a China não foi liderada por esses dóceis animais mas, o nome de sua raça, é também, o nome de uma das dinastias que tomou o poder na China, mais propriamente da dinastia Quing, que acusavam de ser imperialista e subjugada ao ocidente. Começaram a subir no ano de 1900, em que invadiram Beijing e mataram 230 estrangeiros (sobretudo ingleses, que de estrangeirada, pouco mais lá havia…).
O Movimento 4 de Maio - A primeira mostra do que são capazes os estudantes chineses na Primavera, deu-se, em 1919. Os estudantes uniram-se e protestaram juntos contra a posição chinesa no Tratado de Versailles. Tudo por causa de Shandong. Primeiro o domínio alemão e com Versailles, o desejo japonês, (teria petróleo esta província da China?!).
Invasão anti japonesa e a guerra civil, (ou como chegar ao comunismo em apenas 12 anos) - O primeiro ingrediente é a invasão da China pelo Japão. Em 1930’s, o Japão teve um sonho, que começou na China e não se sabe bem onde ia parar. Chiang Kai Chek, um nacionalista ferrenho, liderava a China ensombrado pela oprimida oposição comunista. Ora, cabendo-lhe a tarefa de proteger a China, of becoming a big Japan, tomou a ajuda comunista e durante 8 anos combateram juntos os inimigos japoneses. Em 1945, (com a ajuda dos aliados), comunistas e nacionalistas expulsam definitivamente os japoneses e assumem, finalmente, a guerra civil que os unia. Nacionalistas apoiados pela América, comunistas amparados pela Rússia, uma das grandes batalhas da guerra fria oriental. Neste caso, em 1949, a China era comunista!
Vamos desabrochar 100 flores - Assim começam todas as ideologias revolucionárias. A liberdade de expressão é o mote e Mao Tse Tung quer que na China desabrochem 100 ideias, 100 sonhos, 100 pensamentos! Tudo muito bonito mas … quanto começam a surgir centenas de ideias que afrontam o teu poder, se calhar é melhor apostar na agricultura. Mentes mais perversas insinuam que este movimento lançado por Mao, foi apenas uma estratégia de pôr a descoberto os opositores do regime, para, posteriormente, os neutralizar sem piedade, (eu sou mais rosseauniana …).
O ano da revolução cultural - A revolução cultural de 1966, esse bonito provérbio chinês que dizia, não deixes os teus inimigos descansados em momentos de reflexão, se os podes pôr a trabalhar o campo, (sendo que inimigos é uma força de expressão). Mao Tse Tung não era um mero idealista cego, era um poeta também e as suas reformas tinham todas nomes tão bonitos como, “desabrochar de 100 flores “, “grande salto adiante “, (“p’ra frente é que é o caminho”). O livro vermelho ditava o método das reformas e só em 1976, com a morte do poeta, era chegado o momento de parar para pensar.
4 de Abril de 1989, O massacre na praça de Tianamen - Os estudantes começaram a crescer para o governo chinês em Abril de 1989. Uma homenagem pela morte de Hu Yaobang e a queda da grande muralha de Berlim, faziam crer que tudo ia mudar na China. E mudou mas para pior. Após a Primavera escaldante de 89, depois do massacre dos estudantes, das execuções e prisões domiciliárias, houve de tudo na China, menos democracia.